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Ernst Bloch em 1969. Foto: Brigitte Friedrich/Süddeutsche Zeitung Photo

Ernst Bloch e os sonhos de uma vida melhor

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Tradução
Everton Lourenço

Em O princípio esperança, o filósofo alemão Ernst Bloch constrói uma enciclopédia de esperança, catalogando o que pode ser resgatado para dar novo sentido ao pensamento utópico desde os gregos - mostrando que são os pensadores radicais que “se aventuram além” da existência que ampliam e humanizam o mundo por meio da inovação intelectual, científica e artística.

Publicado originalmente como introdução dos tradutores na primeira edição em língua inglesa de O princípio esperança (MIT Press, 1985).


Primeiros anos

Ernst Bloch nasceu em Ludwigshafen em 8 de julho de 1885, filho de um funcionário ferroviário judeu. Quando criança, lhe foi apresentado um contraste gritante entre a nova cidade industrial e proletária onde crescia e a decadente opulência do século XIX de Mannheim, a outra cidade logo do outro lado do Rio Reno, com sua arquitetura Gründerzeit e seu antigo Residenz, um dos palácios mais elaborados da Alemanha. Embora Bloch não recuse de forma alguma as conquistas da burguesia do século XIX e as descreva com certa afeição, o contato logo cedo com esse cenário de contradição de classe deve ter sido decisivo em sua formação como socialista.

A fábrica local de anilina e refrigerantes – como aponta Bloch em uma de suas primeiras obras, o autobiográfico e impressionista Spuren (Traços) – foi transferida para Ludwigshafen “para que a fumaça e o proletariado não se espalhassem sobre Mannheim”. No entanto, embora vivesse do lado errado da ponte, sua infância foi imaginativa e gratificante, como ele recordaria com carinho em seus livros posteriores. As visões e anseios da criança são para Bloch os prenúncios emocionais do espírito do “aventurar-se além”, que ele estimava de maneira tão alta em pensadores e inovadores, e sem o qual o Novo é inconcebível. As brincadeiras e jogos com seus amigos de infância transformavam o sombrio e monótono interior industrial de Ludwigshafen em uma paisagem alucinatória, quase numinosa, povoada por personagens saídos das histórias de aventura de Karl May. Quando menino, Bloch mergulhou nessas histórias, um amor que manteve por toda a vida. Mesmo na obra central de seu sistema maduro em O princípio esperança, uma seção é dedicada ao conto de fadas e à “colportagem”, o termo que ele empregou para descrever o gênero das histórias de aventura. “Há apenas Karl May e Hegel”, disse certa vez, “tudo entre eles é uma mistura impura”.

Bloch foi um aluno indiferente, mas um intelecto precoce. Quando menino, compunha tratados especulativos com títulos ambiciosos como “O Universo à Luz do Ateísmo”, “Renascimento da Sensualidade”. Aos dezessete anos, já se correspondia com proeminentes filósofos alemães da época. Mesmo já idoso, ele voltaria a esses primeiros escritos em busca de um lema que se adequasse a um volume de suas obras completas: “ … mas a essência do mundo é o espírito alegre e o desejo de dar forma criativa; a Coisa-Em-Si é imaginação objetiva”. Essa pré-aparição e sua re-aparição ao longo de sete décadas demonstram o desenvolvimento homogêneo da obra e do pensamento de Bloch. Isso também é inteiramente consistente com sua ideia de que apenas no final de um processo o seu início se revela e finalmente começa. Ainda assim, seu relatório escolar de 1904/5, dois anos depois do escrito acima, nos informa que “suas realizações são tão mínimas que, considerando as profundas lacunas em seus conhecimentos, ele só será capaz de passar nos exames finais pela mais árdua aplicação”.

Depois de estudar filosofia em Munique e em Würzburg, em ambos os casos perseguindo a ideia da boemia e uma aluna específica, ao invés de procurar algum professor específico, Bloch mudou-se para Berlim, onde fez amizade e foi encorajado por Georg Simmel, um professor da moda cujos interesses abrangiam, como os de Bloch mais tarde, todo o espectro da filosofia, sociologia e metafísica. Simmel foi também um dos “Georgekreis”, o círculo íntimo em torno do poeta lírico Stefan George. Mas Bloch desdenhava da postura estética dos “Georgekreis” e logo se desiludiu com a incapacidade de Simmel de se comprometer com qualquer uma das posições que ele era tão adepto a expor. Durante esses anos em Berlim, Bloch também forjou uma importante amizade com o filósofo e crítico Georg Lukács. Bloch viajava muito nessa época, tanto com Lukács quanto com Simmel, principalmente pela Itália. Sua obra reflete um interesse não apenas por viagens e viajantes, mas também pela atração psicológica da distância e da qualidade do que é estrangeiro nos sonhos diurnos e imagens de desejo do “homenzinho” confinado no cotidiano. É com esses sonhos que abre O princípio esperança.

Em 1911, Bloch foi para Garmisch e começou a trabalhar seriamente em sua própria filosofia, desenvolvendo o conceito-chave do ainda-não-consciente, que havia formulado já em 1907. Nos anos seguintes, Bloch se deslocava entre Garmisch e Heidelberg, onde Lukács estava vivendo. Mais tarde, ele escreveu sobre essa época e sobre sua amizade com Lukács: “Tínhamos ficado tão próximos que funcionávamos como se conectados por tubos-de-fala. Eu estava sempre longe de Heidelberg, na verdade tinha minha escrivaninha em Garmisch, e alternava entre Garmisch e Heidelberg; os primórdios da minha filosofia foram escritos em Garmisch – um parto bávaro, com a vontade de ser digno dos Alpes que eu tinha do lado de fora da minha janela. Se estivéssemos separados, eu em Garmisch e Lukács em Heidelberg ou em outro lugar, e então nos reencontrássemos depois de um mês ou dois – então podia acontecer que eu ou ele começasse a falar ou a pensar de onde o outro havia parado anteriormente.” 

Em Heidelberg Bloch tornou-se parte do círculo em torno do sociólogo Max Weber. Marianne Weber nos fornece uma imagem dele naquela época: ‘um novo filósofo judeu chegou recentemente – um menino com um topete enorme e um senso de auto-importância tão enorme quanto o topete, ele obviamente se considera o arauto de um novo Messias e quer que as pessoas o considerem como tal.” Weber compartilhava da opinião de sua esposa e se distanciou de Bloch, desconfiado de suas ideias místicas. Em 1913, Bloch casou-se com Elsa von Stritzky, uma escultora de Riga. Inapto para o serviço militar, viveu em Grünewald no vale Isar durante a maior parte da Primeira Guerra Mundial, antes de se mudar para Berna em 1917. Foi enfático em sua oposição à guerra, que via como um conflito fundamentalmente imperialista. Quando Simmel deu seu apoio à onda de patriotismo que varria a Alemanha, Bloch enfim rompeu com sua amizade. Em Zurique, Bloch conheceu o ensaísta e crítico Walter Benjamin, sete anos mais novo que ele. Benjamin o descreveu em uma carta como “a única pessoa significativa que conheci na Suíça até agora” e, mais tarde, como tendo sido o escritor que, ao lado de Kafka e Brecht, aperfeiçoou o ensaio alemão, um elogio que ele poderia ter dado a si mesmo, de maneira justa.

O espírito da utopia 

Durante esta década central do Expressionismo, Bloch continuou a desenvolver o conceito do ainda-não-consciente e, em 1918, publicou Geist der utopie (O espírito da utopia), uma obra mística e profética escrita num estilo altamente expressionista. O livro, sua primeira grande obra, é dedicado à sua esposa. O interesse de Bloch pela religião, que se manifesta pela primeira vez em O espírito da utopia, incomum para um marxista, pode até certo ponto ser atribuído à influência do misticismo cristão quase gnóstico de Elsa. Este trabalho ensaístico é uma mistura de messianismo, socialismo e ideias sobre verdades espirituais não-reveladas, mas o livro também reflete o interesse inicial de Bloch naquele que se tornaria o principal campo de seu estudo futuro – a utopia. A grande amiga de Bloch, Margarete Susman, parece ter antecipado a importância das ideias contidas no livro, enxergando nele elementos de uma nova metafísica alemã.

A primeira esposa de Bloch, a quem ele era devotado, morreu em 1921 após vários anos de doença. A morte dela teve um efeito devastador sobre ele e continuou a afetá-lo por toda a vida, como podemos ver no final da comovente seção sobre o casamento em O princípio esperança, cuja escrita foi iniciada quase vinte anos depois: “assim como a dor do amor é mil vezes melhor do que o casamento infeliz, no qual só resta dor, dor infrutífera, assim também as aventuras amorosas presas à terra são difusas comparadas com a grande viagem marítima que o casamento pode ser, que não termina com a velhice, nem mesmo com a morte de um parceiro.” Ainda aí, como em outras partes nessa seção, há um senso do seu relacionamento com Elsa, e talvez também de seu segundo casamento abortado com uma pintora de Frankfurt, que durou menos de um ano – talvez uma tentativa de substituir a intimidade do primeiro casamento. Em 1928, uma ex-namorada de Bloch da época em que ele morava em Positano deu à luz uma filha, Mirjam, após o término do relacionamento entre os dois. Frida Abeles não informou Bloch sobre a gravidez ou o nascimento; a notícia chegou a ele por meio da poetisa Else Lasker-Schüler. O relacionamento foi obviamente um embaraço para Bloch, que nessa época estava envolvido com Karola Piotrkowska, uma jovem estudante de arquitetura de Lodz, na Polônia, com quem veio a se casar em 1934. Um retrato de sua feliz vida juntos pode ser lido no livro de Karola Bloch, Aus meinem leben (Da minha vida).

Bloch continuou a viajar durante os anos vinte, após a morte de sua primeira esposa. Sua visita à Tunísia em 1926 o colocou em contato com o mundo do Islã pela primeira vez, uma religião que contribui significativamente para as “imagens do desejo do instante plenificado” no volume três de O princípio esperança, ao lado das tradições cristãs e judaicas. Quando na Alemanha, ele residia principalmente em Berlim. Foi ali que começou outra grande amizade nos anos vinte, com um dos filósofos que mais tarde viria a ser uma figura importante na Escola de Frankfurt, Theodor Adorno. Adorno mais tarde falaria sobre “a grande música blochiana” e manteria uma grande admiração por Bloch, mas, como com Lukács, a amizade seria prejudicada pela alegada heterodoxia da abordagem subjetivista de Bloch para o socialismo, embora na década de 20 politicamente Bloch fosse um comunista linha-dura. Parece haver algumas evidências de que ele tentou alinhar-se de uma forma mais ortodoxa à corrente principal do pensamento marxista. Em 1923, ele publicou uma segunda edição reescrita de O espírito da utopia, fornecendo uma introdução mais sistemática à sua filosofia utópica e tentando fundi-la com o marxismo.

Bloch parece ter tido uma afinidade maior com Walter Benjamin, com quem manteve contato próximo em Berlim. Benjamin compartilhava do interesse de Bloch por tradições místicas, especialmente pela Cabala, e eles experimentaram haxixe juntos, outra fonte produtiva de devaneio criativo para Bloch, como elabora em O princípio esperança. Elementos da teoria da tragédia de Benjamin podem ser detectados na análise de Bloch sobre a função social do teatro no final do primeiro volume desta obra. Nessa época a reputação literária de Bloch já estava estabelecida e ele escrevia regularmente para os principais jornais de Berlim. Conheceu Bertolt Brecht já em 1921 e sua amizade durou até a morte deste último. Ele era atraído por Brecht por sua abordagem não-dogmática do marxismo, e a obra de Brecht forma a coluna dorsal da visão de Bloch do teatro como uma “instituição paradigmática” socialmente instrutiva. No final da década também tinha amizades com Kurt Weill, Hanns Eisler e Otto Klemperer.

Em 1930 foi publicada a principal obra literária de Bloch, Spuren (Traços), uma coleção de trechos em prosa que dão o tom para as passagens enigmáticas que introduzem cada seção de O princípio esperança. Durante esses anos em Berlim, Bloch começou a trabalhar em Erbschaft dieser zeit (Legado deste tempo), uma análise crítica dos anos 20 e da ascensão do fascismo, mas esse trabalho foi interrompido pela ascensão de Hitler ao poder. Bloch emigrou para Zurique no início de março de 1933. Durante esse período, sua amizade com Lukács gradualmente se transformou em discordância pública, que culminou no notório debate sobre o expressionismo que, em 1935, Lukács – agora um importante crítico comunista – via como um antecedente cultural direto da ideologia nacional-socialista. Bloch publicou sua primeira réplica em um ensaio escrito como resultado da exposição nazista de “arte degenerada”, na qual muitas obras expressionistas foram incluídas. Mas como O princípio esperança ilustra em vários pontos, Bloch permaneceu fiel ao longo da vida ao seu conceito do expressionismo como um movimento artístico progressista. Lukács distanciou-se cada vez mais da abordagem mística de Bloch à revelação do socialismo. Lukács apontou para a decisiva diferença de posição entre seu próprio História e consciência de classe e a filosofia utópica de O espírito da utopia ou o livro de Bloch sobre o cristão milenarista Thomas Münzer, Thomas Münzer als theologe der revolution (Thomas Münzer como teólogo da revolução). Embora quando jovens ambos tivessem desenvolvido uma perspectiva socialista, Lukács não considerava Bloch um “genuíno marxista”. Bloch também relembrava com carinho o diálogo anterior entre eles e, em 1972, ainda com óbvio respeito por Lukács, dedicou Das materialismusproblem (O problema do materialismo) ao amigo de sua juventude.

Exílio na América 

Depois de Zurique, Bloch mudou-se para Viena, depois Paris e Praga, onde seu filho Jan nasceu em 1937. Mantendo-se um passo à frente dos nazistas, emigrou para os Estados Unidos em 1938 e permaneceu lá por mais de uma década, morando na Costa Leste. Foi durante esse período que escreveu boa parte de O princípio esperança (que revisou na década de 1950). Originalmente, Bloch esperava publicá-lo nos EUA sob o título Sonhos de uma vida melhor. O livro mostra uma clara antipatia por uma cultura que ele via como a herdeira inevitável do fascismo do qual escapara ao deixar a Europa. O princípio esperança está repleto de sentimentos antiamericanos, e boa parte de sua análise ideológica da psicologia do Babbitt (um termo que ele tomou emprestado do autor estadunidense Sinclair Lewis), o arquétipo do “homenzinho”, apresenta um quadro de referência estadunidense. Bloch nunca chegou a dominar totalmente o inglês, como pode ser visto em alguns de seus usos bastante bizarros de coloquialismos americanos, e na verdade ele vivia bem distante dos outros intelectuais alemães exilados nos Estados Unidos, agrupados em torno de Thomas Mann. O abrangente “Tríptico da Emigração Alemã“, pintado por Arthur Kaufmann durante esses anos, mostra Bloch retraído, na última fileira. 

Como Benjamin, que morreu durante o exílio, Bloch não conseguiu emprego no Instituto de Pesquisa Social de Horkheimer quando este foi transladado da França para os Estados Unidos, embora a influência de Adorno deva ter tido grande peso aí. Isso talvez demonstre até que ponto a amizade dos dois havia se atrofiado durante os anos trinta. Em 1942, Adorno fez um apelo público em nome de Bloch em um jornal de Nova York, descrevendo a privação em que Bloch vivia na época e solicitando doações, mas para Bloch esse apelo deve ter soado como uma demonstração de lealdade que cortava com dois gumes, já que Adorno afirmou incorretamente que Bloch ganhava a vida lavando pratos e que havia sido demitido por sua lentidão. Na verdade, Karola Bloch sustentava Ernst e Jan trabalhando primeiro como garçonete e depois em um escritório de arquitetura.

Os Blochs também não estavam totalmente livres do anti-semitismo que os forçou a deixar a Alemanha. Como Karola relata em sua biografia, muitos locais de recreação eram “restritos” e inacessíveis aos judeus. Em 1938, mais de uma década antes do macarthismo, um comitê contra “atividades anti-americanas” foi fundado para neutralizar o comunismo. Bloch foi repetidamente forçado a comparecer ao Escritório de Imigração em Boston para determinar se estava apto para a cidadania americana. Embora nunca tivesse sido membro do KPD, o Partido Comunista da Alemanha, ele era considerado “um antifascista prematuro”, isto é, alguém que se opusera aos fascistas antes de Pearl Harbor. Finalmente, ele foi forçado a passar por um teste oral sobre a Constituição Americana. Karola Bloch relata que o atônito examinador chamou seus colegas para ouvir a fascinante análise de Bloch sobre a Guerra da Independência Americana. Dessa forma, ele finalmente garantiu a sua cidadania, dois anos depois de sua esposa.

Oriente e Ocidente

Bloch voltou para a Alemanha em 1949 para assumir a cadeira de professor de filosofia na Universidade de Leipzig, aos 64 anos. Como nos conta O princípio esperança, ele não considerava que a guerra havia acabado, mas apenas que a sede do poder fascista havia se mudado de Berlim para Washington. De início, ele parece ter acreditado firmemente na possibilidade de criar uma nova sociedade antifascista na República Democrática Alemã, que iria restaurar a cultura alemã à grandeza. Em 1954/5 foram publicados os dois primeiros volumes de O princípio esperança, e Bloch foi celebrado com o Prêmio Nacional da RDA e reconhecido como seu principal filósofo. No entanto, gradualmente, sua posição filosófica e política tornou-se inconciliável com a liderança stalinista do SED (o partido que governava o Estado na RDA).

Vários de seus alunos foram presos em 1957, entre eles Wolfgang Harich, um apoiador do regime não-stalinista de Tito na Iugoslávia. Embora Bloch rejeitasse as ideias do humanismo-democrático de Harich para a reforma da RDA, foi implicado como envolvido em atividades contra-revolucionárias e teve a sorte de escapar da prisão. Harich foi condenado a dez anos de prisão, acusado de conspiração com o Ocidente. Bloch foi forçado a se aposentar, proibido de dar aulas e foi obrigado a renunciar à posição de editor na redação do periódico politicamente influente Deutsche zeitschrift für philosophie. As contribuições dele e de Harich foram eliminadas de seu índice. Walter Ulbricht, líder do SED, sugeriu que o ensino de Bloch adotava princípios não-marxistas, enfatizava demais o subjetivo e que sua filosofia utópica estava ignorando a luta de classes concreta e perseguindo idealisticamente um “objetivo distante”. Esses sentimentos parecem ecoar os do velho amigo de Bloch, Lukács, que havia se tornado Ministro da Cultura da Hungria no regime de Nagy – mas vale a pena considerar que em 1956 as tropas soviéticas já estavam reprimindo “tendências contra-revolucionárias” na Hungria, e que o próprio Lukács foi forçado ao exílio temporário na Romênia, devido à sua proximidade com a “linha iugoslava”. Em 1957, com sanção oficial, foi publicado em Berlim um panfleto criticando Bloch intitulado A revisão do marxismo de Ernst Bloch.

Rotulado como revisionista, até mesmo como um panteísta místico, Bloch não podia mais participar da vida acadêmica no Leste. Vivia isolado, tendo contato apenas com amigos pessoais. Seus livros continuaram a ser publicados intermitentemente no lado oriental, entretanto. Em 1959, foi publicado o terceiro volume de O princípio esperança. Bloch começou a viajar com mais frequência para o Ocidente para dar palestras e participar de congressos. Em 1961, por coincidência, ele estava na Berlim Ocidental quando o Muro de Berlim começou a ser erguido e tomou espontaneamente a decisão de permanecer no lado ocidental, aceitando uma cátedra como professor convidado na Universidade de Tübingen, onde continuou a ser um ativo defensor do socialismo e, o que era muito atípico para um professor alemão, dedicava grande parte do seu tempo aos seus alunos. Se expressou publicamente contra a votação de poderes de emergência em outubro de 1966. Mais tarde, nos anos 60, fez amizade com Rudi Dutschke e deu seu apoio ao movimento estudantil, embora com sua característica consciência antecipatória, expressou surpresa com o fato de que o movimento radical contra o capitalismo no Ocidente emergisse dos filhos da classe média.

Bloch jamais visitou a União Soviética. Sua atitude em relação a ela em O princípio esperança ainda é positiva, mas já podemos detectar uma porção de críticas implícitas, por exemplo, à ideologia do camarada, ao pacto de não-intervenção e ao Socialismo de Estado em geral. No entanto, ele considerava os desenvolvimentos artísticos na dança e no cinema na União Soviética como tendências extremamente progressistas e elogiava os elementos da cultura folclórica que a revolução havia preservado, embora estivesse bem ciente de que a URSS não havia atingido a maturidade política, que ainda se encontrava em um estágio de transição, que continha elementos do Socialismo de Estado e que estava muito aquém do “estado final” que correspondia à sua própria visão utópica do socialismo internacional. Sua própria reavaliação do stalinismo veio tarde, depois da de Khrushchev em 1956, depois da Hungria e somente depois das suas próprias experiências na Berlim Oriental. Em seus últimos anos, ele se opunha tanto à dominação soviética quanto ao imperialismo americano, apoiando a Primavera de Praga e denunciando veementemente a participação dos EUA na Guerra do Vietnã, defendendo uma diversificação do socialismo que se afastasse do modelo soviético. Bloch via o marxismo como uma síntese necessária de correntes “frias” e “quentes”, uma representando seu rigor crítico não enganado, a outra sua receptividade idealista e imaginativa. Já na década de 1930, Bloch advertia contra a separação do “pão” e do “violino” no mundo comunista. No fim das contas, ele foi condenado por não subordinar o último ao primeiro em uma década de entrincheiramento ideológico no lado oriental.

Bloch não foi exposto à aclamação internacional concedida à Escola de Frankfurt no mundo anglófono nos anos sessenta e setenta, talvez na verdade porque suas obras não estavam disponíveis para leitores de inglês. Ele compartilhava das suspeitas de Marcuse sobre as ideologias a serviço das quais as novas tecnologias estavam sendo pressionadas no Oriente e no Ocidente. Sua voz não foi ouvida fora da Alemanha, mas em Tübingen, com um cachimbo na boca, ele se tornou a figura paterna da filosofia no seu próprio país, ao fim e ao cabo preferindo, como sua grande imagem-guia literária Goethe, o clima do sul da Alemanha onde sua filosofia havia começado. A concepção de velhice para Bloch e o papel de conselheiro do ancião, certamente foi algo que ele realizou em sua própria vida. Embora tenha ficado cego nos seus últimos anos, viveu para supervisionar e revisar os 17 volumes de suas obras reunidas, uma conquista espantosa para um filósofo durante seu próprio tempo de vida e consistente com sua imagem do desejo e com o arquétipo da colheita. Morreu no verão de 1977, com 92 anos de idade.

Bloch e a tradição

Consistente com sua visão de que o passado contém uma herança cultural e um conteúdo utópico ainda a ser extraído, a filosofia de Bloch, embora firmemente enraizada na tradição alemã, contém uma mistura eclética de elementos progressistas extraídos das filosofias clássicas, orientais e ocidentais. A herança que deve ser reivindicada do passado, porém, não se trata de um legado de tradição fixa, mas de conteúdo-esperança e conteúdo utópico não descarregados nas obras do passado.

Portanto, Bloch pega as aspirações e a energia utópicas do fator subjetivo no idealismo alemão, como sistematizado pela primeira vez por Kant, e as combina com o fator objetivo na filosofia materialista de Marx e Engels. Ele pega o conceito de processo de Hegel e o desenvolve no seu próprio conceito de processo aberto, em ação no materialismo dialético. Ele pega o conceito de “entelequia” de Aristóteles e constrói sobre ele a sua própria teoria da possibilidade. Ele pega a “Nova Atlântida” de Francis Bacon e a inclui no programa histórico para o socialismo. Contudo, reivindicar essa herança de forma nenhuma torna Bloch um pensador secundário. Isso é inteiramente consistente com seu conceito totalmente original do ainda-não-consciente, a dimensão pré-consciente tanto no passado quanto no futuro. Novos significados e combinações sintéticas podem ser extraídos do pensamento do passado, precisamente porque esse pensamento ainda não está concluído e aguarda ser descoberto e herdado por cada época que se sucede.

As obras do passado contém imagens premonitórias e pré-figurativas da próxima fase da sociedade. Em processo aberto, as sucessivas eras dão novo funcionamento ao material do passado para adequá-lo aos seus requisitos ideológicos, sejam eles reacionários ou progressistas. No entanto, de todo o pensamento progressista, um excedente utópico é carregado rumo ao futuro. Ele pode permanecer adormecido por séculos antes que novas condições sociais o recuperem e extraiam seu novo significado. O princípio esperança é uma enciclopédia de esperança que tenta catalogar o excedente do pensamento utópico desde os primeiros filósofos gregos até os dias atuais. Bloch entende a utopia não como um ideal impossível, mas como um estado final real e concreto que pode ser alcançado politicamente. Ele vê o desenvolvimento do socialismo como a expressão moderna da função utópica que efetua essa mudança, a meta para a qual o processo da história é impelido pelo pensamento utópico.

Mas a história não é de forma nenhuma mecânica nem está completamente determinada para Bloch. Não se trata de uma marcha inevitável rumo ao socialismo. Sua dinâmica não é um espírito do mundo hegeliano. Ela avança em todos os estágios através da possibilidade. A possibilidade do Nada, do Em-Vão permanece. A própria possibilidade se trata de um processo aberto, e não está apenas no sujeito. Bloch considera que o próprio objeto contém camadas de possibilidade, culminando no Possível objetivamente real, a síntese última da realização subjetiva e objetiva do mundo.

Bloch muitas vezes tem sido localizado diretamente na tradição romântica devido a essa tentativa de síntese, como se estivesse dando continuidade à busca utópica da “flor azul” do romantismo alemão, onde a imaginação e o mundo finalmente se encontrariam. Todavia, o idealismo subjetivo de Schelling e Fichte, a inspiração filosófica por trás do romantismo alemão, buscava essa síntese sem considerar o desenvolvimento possível no objeto, no processo objetivo do mundo. Já Bloch insiste no desenvolvimento bilateral, tanto do fator subjetivo quanto do fator objetivo e em sua interação dialética. Bloch toma como seu modelo para esse estado final de cognição subjetiva e objetiva a ideia mencionada em uma carta de Marx a Ruge em 1843, de que o mundo possuiria “um sonho da matéria”, de um estado real do mundo que ainda não se tornou manifesto e que só se tornará através do socialismo. No entanto, Bloch entende que essa percepção definitivamente real do mundo implica a tarefa política de humanizar o mundo. A “Coisa-em-Si” de Hegel também deve se tornar a “Coisa-Para-Nós” de Engels. Ao realizar na teoria e na prática a possibilidade real do mundo, ele pode ser transformado em “Heimat” – “a pátria”, onde, nas palavras da imagem-guia literária de Bloch, Fausto, poderemos dizer “aqui sou humano, aqui tenho o direito ser!” Em todos os pontos em Bloch há o sentido dessa liberdade humana. A problemática dialética da liberdade e da ordem é uma questão central em sua obra. Sua discussão sobre esse relacionamento (que compõe parte do volume dois de O princípio esperança) foi o primeiro de seus escritos a ser publicado após a guerra, mas as implicações políticas não o tornaram querido por seus patrocinadores do pós-guerra nos regimes em estabilização no Bloco Oriental.

O ainda-não-consciente pode estar contido no passado, presente e futuro. Significado não realizado pode estar preso nas obras do passado. A “escuridão do momento recém-vivido” que nos impede de experimentar e aproveitar o mundo no sentido do Carpe diem, indica a presença do ainda-não-consciente no presente. O aspecto futuro do ainda-não-consciente é revelado principalmente naquilo que Bloch chama de “amanhecer para o adiante” e “pré-aparição” (“Vor-Schein“, que também tem a conotação de “brilhar à frente”). Cada época contém seu horizonte, seu “Front”, sobre o qual flui esse ainda-não-consciente quando o bloqueio do pensamento estático e regressivo é removido. Pode ser observada na realidade em eventos sociais e políticos, como na tomada da Bastilha, por exemplo, mas a arte é o maior repositório das imagens, arquétipos e símbolos do ainda-não-consciente, fornecendo-nos as imagens-guia que “aventuram-se além” do estático do mundo conhecido. Em seu levantamento histórico do ainda-não-consciente, Bloch concentra-se nos pensadores e projetistas que ampliaram esse Front, aventurando-se além, inventando, visualizando as possibilidades do mundo que está surgindo. O princípio esperança é, portanto, uma enciclopédia dessas figuras e de sua aparição na realidade e na arte.

O ainda-não-consciente contém uma dimensão psicológica individual, bem como uma expressão social e política. Num estilo caracteristicamente polêmico, Bloch ataca Freud e especialmente Jung (a quem ele considerava um pensador cúmplice do fascismo) por confinar o inconsciente ao passado – no caso de Jung, a uma dimensão a-histórica de experiência primeva. Bloch ilustra como essa teoria foi apropriada para servir às noções de araque de pureza ariana e solo nativo pelo nazismo alemão. Sua crítica a Freud centrava-se em grande parte na compreensão que este último tinha sobre a repressão. A análise de Freud tentava apenas levar seus pacientes de volta ao passado para confrontar as origens de suas neuroses, o material reprimido que os inibia. Não havia preocupação com o futuro, com o desenvolvimento ainda-não-consciente. Analogamente, na visão de Bloch, Freud evitou a análise das causas sociais da repressão e não cogitou nenhuma ideia de desenvolvimento futuro da sociedade que pudesse melhorar as condições psicológicas de seus pacientes. Ele se dirigia apenas aos sintomas e não às causas fundamentais de suas neuroses. Além disso, ele ignorava a pulsão humana mais básica, a pulsão mais próxima do “Aquilo” não-revelado que dentro de nós nos move – ou seja, a fome. É significativo que Freud nunca use o termo alemão “Instinkt” para sua teoria das pulsões, mas sim a palavra ”Trieb”. Pode ser que a tradução inglesa de Freud por Strachey tenha cometido um grande erro ao referir-se às pulsões como “instintos”. A análise de Freud por Bloch torna essa distinção inequívoca. Ele estende a teoria das pulsões ao demonstrar que elas são socializadas e não inatas e, portanto, totalmente distintas dos instintos.

Talvez não seja coincidência que a filosofia de Bloch tenha sido considerada herética no Leste. A atenção de Bloch sempre parece vagar mais na direção de figuras heréticas do que de figuras ortodoxas. Seu livro anterior sobre Thomas Münzer é uma pré-aparição de sua preocupação com pensadores que desafiam as crenças ortodoxas. Münzer e milenaristas como Joaquim de Fiore aparecem amplamente em O princípio esperança, enquanto Lutero, o pai da Reforma ortodoxa na Alemanha, merece apenas um punhado de referências. O compromisso de Bloch com a tradição hermética e com figuras heréticas em geral reflete sua preferência por aqueles pensadores que consideram o mundo como um mistério não-revelado, ao invés de um corpo de leis e mandamentos recebidos. Em O princípio esperança ele escolhe investigar a Cabala ao invés da Torá, alquimia prospectiva ao invés de astrologia determinada, sistemas de pensamento que são processuais e abertos ao invés de sistemas já manifestos e absolutos. Obviamente, O princípio esperança de Bloch é ele mesmo um sistema desse tipo, e deve quase tanto à tradição hermética quanto à tradição do materialismo dialético. Seções da obra possuem uma qualidade mística quando abordam o enigma-do-Aquilo da consciência que aparece por detrás das pulsões, mas Bloch não veria isso como uma especulação metafísica incompatível com uma abordagem materialista do mundo. Ele procura reposicionar as aspirações e apoteoses metafísicas do homem na própria experiência mundana e revelar o mundo precisamente como o mistério rumo ao qual o pensamento hermético tem tateado.

Esse aspecto místico da obra de Bloch, que muitas vezes eleva o seu pensamento a partir de um argumento histórico e filosófico culturalmente específico para um nível diferente de conexão conceitual e linguística elíptica, pode muito bem ter contribuído para a noção de que Bloch é um pensador difícil. Mas essas passagens, abrindo de maneira enigmática cada seção de O princípio esperança, e fechando cada seção de maneira transcendental e culminante com um extenso gesto de otimismo ou esperança, talvez contenham a chave para o estilo literário de Bloch. A noção de “intensificação” (Steigerung), já presente em Goethe, permeia a obra de Bloch. As cadências de Bloch não caem, estão sempre subindo. Portanto, não é por acaso que muitas seções da obra terminam nas “alturas”, na metáfora das altas montanhas, como em “Fausto”, um fato sobre o qual Bloch estava bem ciente. O livro está cheio de referências explícitas e implícitas a “Fausto”, e a estrutura da principal obra de Goethe está inequivocamente presente por trás da estrutura de Bloch, à medida que esta se move em direção à “identidade”. A estrutura sinfônica da obra também é claramente evidente. Bloch considerava a música a mais importante das artes, na qual o ainda-não e o utópico poderiam ser mais perfeitamente realizados. Reprises, refrões, codas, os gestos musicais são inconfundíveis. Bloch não estava apenas ansioso por incluir os gestos ontológicos e utópicos da música em seu catálogo de esperança (uma seção é dedicada a ela no volume três), mas também por incorporar esses gestos na própria estrutura de sua principal obra.

O estilo de O princípio esperança 

Certamente, portanto, O princípio esperança é uma obra literária por si mesma, e isso também pode explicar a desconfiança com que o livro foi recebido nos círculos marxistas. Ao lado da metáfora das altas montanhas está a do navio que se aventura além das Colunas de Hércules, imagem herdada de Francis Bacon, a quem Bloch muito admirava. Essas imagens tornam-se metáforas submersas, muitas vezes logo abaixo do texto, aparentemente perdidas, e então reaparecem com um novo significado, espelhando perfeitamente em termos metafóricos a teoria de Bloch sobre o legado contínuo do conteúdo utópico. O amanhecer para o adiante também é um aspecto do estilo de Bloch. Uma imagem será filtrada no argumento antes de emergir em toda a sua plumagem metafórica, como cifra real. Mas a filosofia de Bloch, é claro, reconhece os vestígios residuais da consciência passada no processo de avanço, e isso também se reflete no tecido do texto, que revela uma grande quantidade de pós-amadurecimento de ideias e imagens, reintroduções de motivos e metáforas, carregados de significado renovado. Uma ideia repetida, como afirma Bloch em sua própria introdução, pode ter aprendido algo nesse meio tempo. A escolha eclética de registro por Bloch é em si um reflexo adicional de sua teoria da presença mútua do passado e do futuro um no outro. Ele combina arcaísmos, termos latinos e gregos, usos obsoletos, “Volksweisheiten” (ditados e provérbios populares) com a linguagem do marxismo, ciência e materialismo dialético para produzir uma espécie de léxico cultural da língua alemã.

Como poeta, Bloch talvez seja um poeta da luz. A qualidade da luz, o vermelho da manhã, o azul distante, a hora azul do crepúsculo são expressões metafóricas de estados da consciência, tanto individual quanto social, e de estados de esperança e realização. Ideias novas e não-expiradas aparecem como vislumbres premonitórios e prolongados fulgores pós-evento, brilhando à frente ou continuando a banhar a história com sua luz que não foi extinta. Bloch constrói um medidor de luz para a história, a fim de testar seu conteúdo utópico. A luz, e todas as suas nuances, torna-se a “cifra real” mais fundamental do livro. A teoria da “cifra real” é crucial para a compreensão do estilo literário de Bloch e de seu uso da metáfora. Ele desenvolve a conclusão de Goethe em “Fausto” de que “tudo o que é transitório não passa de uma metáfora”, e vê os próprios objetos do mundo fenomênico como “cifras reais” do enigma-do-mundo, ou seja, ele acredita que o mundo contém em forma metafórica as assinaturas secretas do mistério-do-mundo que precisa ser revelado. Bloch havia concebido essa ideia de traços ou rastros que o segredo-do-mundo deixa atrás de si nos detalhes físicos do mundo muito antes, em Traços, que começou a escrever em 1917, ainda que só o tenha concluído em 1930, mas é em O princípio esperança que esse aspecto de sua teoria é desenvolvido em uma estética plena, sintetizada com o conceito do Todo utópico possível que, se as forças progressistas prevalecerem, poderá finalmente ser alcançado. A arte está, portanto, fundamentalmente preocupada não com a imitação, mas com a revelação do mundo, o processo pelo qual as imagens do ainda-não-consciente são trazidas à consciência. Mas para Bloch a realização bem-sucedida desse estado final utópico não é de forma nenhuma uma inevitabilidade. Ele está igualmente ciente da cifra oposta que circula pelo mundo, o Nada, que se expressou e que pode se expressar novamente nas trevas do fascismo.

Aventurar-se além

Nossa tradução de O princípio esperança é a primeira conversão completa de qualquer das obras de Bloch para a língua inglesa. É irônico pensar que O princípio esperança poderia ter sido publicado pela primeira vez na Inglaterra antes mesmo de aparecer na Alemanha. Paul Tillich, entre outros, contribuiu com a tentativa de publicar o livro em Oxford na década de 1940, mas no fim, nenhum contrato chegou a ser assinado. A obra parece ter pairado, rondando a consciência inglesa por muitos anos, com a sua chegada sendo inibida pela resistência ao pensamento socialista heterodoxo na filosofia acadêmica britânica. Este atraso é em si um verdadeiro exemplo do ainda-não-consciente blochiano. Mas em nenhum sentido a leitura desse livro aparece como um anacronismo. Sempre ao se ler Bloch, há a impressão de uma mente que não está confinada a uma década específica, mas que abrange o século, para frente e para trás. Em uma época de reentrincheiramento cultural e pessimismo social, sua obra apresenta uma reavaliação radical do pensamento socialista utópico. Mas não se trata apenas de um catálogo acadêmico de pensadores socialistas e utópicos. Na verdade, ainda que Bloch mantivesse suspeitas com a ideia de “Lebensphilosophie”, de filosofias programáticas para a vida, ele fornece neste livro uma agenda moral e intelectual pelo socialismo, um contra-argumento filosófico e histórico à ideologia popular de que transformações radicais em si representam um perigo e uma ameaça à humanidade e à “ordem”. Ao fornecer uma visão panorâmica da história, Bloch demonstra que são precisamente os pensadores radicais que “se aventuram além” da existência disponível que ampliaram e humanizaram o mundo por meio da inovação intelectual, científica e artística. Ele agora pode certamente ocupar seu lugar entre os grandes inovadores e utópicos que abraçaram o princípio da esperança. Apropriadamente, seu próprio epitáfio, retirado deste livro, diz: “pensar significa aventurar-se além”.

Bloch não era um “utopista”, ele considerava sua filosofia concretamente utópica, mediada por possibilidades reais, e sua filosofia defende o envolvimento com o mundo, e não a sua contemplação. Certamente não há nenhum sentimento de distanciamento, em sua vida ou em sua obra, da realidade política e da sua prática. Desde o início, ele foi um oponente incansável do imperialismo, do fascismo e da guerra. Desde muito cedo teve consciência do potencial das armas nucleares, do Ultimum negativo, da destruição a que poderiam ser dirigidas as inovações científicas do homem. E ele nunca vacilou na crença de que o socialismo era, em última análise, a única alternativa à aniquilação que o capitalismo inevitavelmente traria se o homem não se aventurar além dele politicamente e abraçar a mudança radical. O princípio esperança, a obra central de Bloch, é uma declaração histórica e coletiva de esperança contra essa aniquilação, mas também um guia prático para se viver na sociedade do capitalismo tardio, em declínio cultural, onde a possibilidade de uma sociedade verdadeiramente humana parece remota, e onde a emoção dominante é o medo. Como alternativa, oferece uma teoria socialista das emoções que, ao invés do medo, se baseia no mais forte dos afetos expectantes – a esperança. Prevê uma nova sociedade onde homens e mulheres possam finalmente se tornar seres humanos adequados, vivendo, trabalhando e acima de tudo se divertindo em um mundo que tenha se tornado uma Coisa-Para-Nós, ou nas palavras do próprio Bloch, onde o homem caminhe ereto.

Sobre os autores

Neville Plaice, Stephen Plaice e Paul Knight Brighton

foram os tradutores da edição estadunidense de O princípio esperança e de outros livros de Ernst Bloch publicados pela MIT Press na década de 1980.

Cierre

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Published in Análise, História, Livros, Perfil and Psicanálise

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